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Ex-colega de Cristiano, brasileiro é capitão da seleção inglesa de futsal

INFOHOST 26 Abril, 2021

Raoni Medina sempre gostou de balançar as redes e ostentar a camisa 9, desde os primeiros chutes, em Londrina (PR). Sua inspiração não era nenhum craque brasileiro, mas Gabriel Batistuta, o grande centroavante argentino da década de 90. O garoto paranaense cresceu, rodou o mundo e chegou a cruzar o caminho de outro artilheiro histórico: ninguém menos que Cristiano Ronaldo. Raoni seguiu sua própria trajetória, entre campos e quadras, e há alguns anos desfruta de uma posição honrosa: é o capitão da seleção inglesa de futsal, além de o primeiro naturalizado a vestir a camisa do English Team.

Aos 39 anos, curtindo os últimos dias na ilha espanhola de Formentera com a família, enquanto aguarda o retorno da liga inglesa de futsal — paralisada há mais de um em razão da Covid-19 —, Raoni Medina recorda com orgulho a sua trajetória. O início foi como o de muitos jovens brasileiros, conciliando campeonatos de futebol e futsal, mais por diversão, e incentivado pelo pai. Aos 19 anos, veio o convite que mudou sua vida: uma agência o levou para realizar testes no tradicional Sporting de Lisboa, no campo.

A experiência não foi tão boa assim. “O empresário que me levou praticamente me largou lá, tive que me bancar. Nem todos me receberam bem, mas fui seguindo. Eu sofri, mas faz parte do processo, me fez criar casca”, recorda Raoni, que treinava no Sporting B, onde chegou a conhecer um gajo-prodígio da Ilha da Madeira, então com 16 anos. “Já dava para ver que o Cristiano era diferenciado. Ele vinha umas duas vezes por semana treinar com a gente. Naquela época ele já tinha aquele ar, sabia quem era e onde queria chegar”.

Cristiano, no entanto, não era quem mais chamava a atenção do brasileiro. “Na minha concepção, tecnicamente, o melhor era o Ricardo Quaresma. Ele era muito gente boa, um dos poucos que conversava comigo, mas não tinha cabeça boa, sempre teve problemas pessoais”, diz, relembrando o atacante com passagens por diversos clubes europeus como Barcelona e Porto e história marcante na seleção portuguesa. “Ele se tornou um grande jogador, mas poderia até ter sido mais.”

Raoni, que atuava em diversas posições, permaneceu seis meses na capital portuguesa, amparado pela mãe. “Ela já estava separada do meu pai, me acompanhou e foi essencial. Eu nunca tinha trabalhado no Brasil, não sabia nada da vida”, recorda. Sem maiores chances no Sporting, decidiu seguir o conselho de amigos: ir para a Inglaterra, aprender inglês e buscar outras oportunidades.
A nova vida em Londres

No Reino Unido, Raoni levava uma vida de craque semiprofissional, já mais propenso às quadras. “Estava desencanado, jogava bola em parques, às vezes pintava alguma oportunidade…”. Ele chegou a atuar em uma equipe no Irã e conseguia se bancar com bicos como personal trainer, até que aos 25 anos, quando teve seu primeiro filho, veio o estalo: “Conversei com um amigo na mesma situação e chegamos à conclusão de que não dava para ficar a vida toda ganhando mal, só para pagar de ‘boleirão’. Decidi que ia fazer faculdade, mudar minha vida.”

Justamente nesta época, porém, foi criada a liga inglesa profissional de futsal. Conhecido por sua qualidade como pivô nas quadras da cidade, Raoni recebeu uma oportunidade no London Helvecia, equipe que se tornaria dominante – foram 15 títulos nacionais e algumas artilharias, entre outras passagens por clubes do Chipre, da Espanha e dos Estados Unidos.
Raoni já era, portanto, um atleta profissional, com uma vida sem grandes luxos, mas bastante digna na capital britânica. O camisa 9 seguiu se destacando até receber o convite para se naturalizar inglês e liderar a evolução do English Team de futsal. O processo levou alguns anos até ser concluído em 2014. Assim que recebeu sua primeira convocação, Raoni recorreu a um novo parceiro: o fone de ouvido.

“Fiquei três semanas ouvindo o hino da Inglaterra até decorar. Era uma forma de mostrar o quanto eu respeitava aquela camisa. Sempre me dediquei a conhecer a cultura e aprender as regras do país que me acolheu”. God Save The Queen na ponta da língua, Raoni fez sua estreia no Parque Olímpico, contra a Suécia. “Foi lindo, um momento inesquecível, único, com meus familiares na arquibancada e o ginásio cheio.”.

Apenas um ano depois, Raoni foi chamado para uma reunião com o treinador: “Eu pensei que ia levar uma bronca, fui andando e pensando se eu havia feito algo de errado, mas ele queria me oferecer a faixa de capitão.” O brasileiro ficou surpreso, emocionado e fez questão de contar isso aos companheiros. “Como capitão, segurei o escudo e disse a eles que ninguém sentia mais aquele brasão do que eu. E é verdade”.
Sua entrada no time coincidiu com os investimentos feitos pela FA, a federação local, que decidiu apostar no futsal, o que levou a equipe a disputar os campeonatos europeus e mundiais. Ainda há, no entanto, um duelo pendente. “Nunca enfrentei o Brasil. Gostaria, claro, mas iria dar a vida pela Inglaterra.” O apoio ao futsal foi cortado após a pandemia, o que motivou conflitos com a federação. “Chegamos a ter o mesmo tratamento do campo, masculino feminino, mas com a Covid nos avisaram que o futsal não seria mais prioridade. Estamos numa briga feia, e esperamos chegar a um acordo.”

Conexão perdida com o Brasil
Desde o falecimento de seu pai, Raoni só retornou duas vezes ao Brasil — em 2009, para o enterro, e em 2011, para resolver problemas burocráticos. Hoje, se considera um cidadão do mundo. “Quando eu ia para o Brasil, zombavam que eu tinha virado inglês, porque eu tinha perdido aquele sotaque puxado do norte do Paraná. E ao mesmo tempo aqui na Europa, nunca vou ser um europeu. Eu me sinto meio sem pátria, sabe? Fui perdendo essa conexão naturalmente, mais por respeito à Inglaterra.”

Há, no entanto, algo que ainda o prende ao país: a paixão pelo Santos. “Meu pai plantou bem a semente e eu repassei para mês filhos, não tiveram escolha. Se o Santos de futsal me chamasse, eu jogaria até de graça”, diverte-se o hoje atleta britânico, que vara madrugadas acompanhando os jogos do time do coração. Também gosta, claro, de assistir futsal, e aponta os brasileiros Ferrão, do Barcelona, e Merlin, brasileiro da seleção italiana e da equipe do Sporting, como os melhores da atualidade.
Prestes a voltar para a Inglaterra, Raoni não crava data para a aposentadoria. “Me cuido muito, não bebo, e sigo bem. Na última língua inglesa eu fui artilheiro, creio que posso jogar futsal até uns 42 anos tranquilamente. Fisicamente dá, mas quero parar no auge. Não quero que digam que jogo por nome, porque sou capitão da seleção. Isso é algo muito claro, não sei se vai ser esse ano ou daqui três.”

Raoni, porém, já se prepara para uma nova correira. Estudou jornalismo esportivo e vem se especializando em gestão esportiva. Recentemente, realizou cursos da Uefa e de La Liga, na companhia de estrelas como Kaká e o ex-goleiro Julio Cesar, e já tem um plano em mente. “Quero fazer essa integração entre futsal e futebol, algo que existe em alguns clubes no Brasil, mas na Europa está começando a chegar agora. Quero criar uma metodologia neste sentido.”


 

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